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Em vez de um encadeamento vigoroso de ações na direção da resolução dramática, dos grandes embates, envolvendo o espectador pela tensão e firmeza dos fios da trama, é um filme que afrouxa o que liga os personagens uns aos outros, e estes em relação a si próprios, dilatando a urdidura até que ela se esgarce. O resultado é a sensação de fatuidade e irracionalidade dos dispositivos de violência que circulam por personagens despsicologizados, como se não lhes dissessem diretamente respeito.

 

Cometido o crime, não haverá percurso de castigo, culpa ou redenção, à maneira admonitória do romance burguês, nem ensaio criminológico ou tese sociológica, à moda das ciências da história, mas deambulação pela cidade horizontal, deriva pelo espaço qualquer de uma Copacabana, tão dessubjetivizada quanto mais saturada de ruídos, cores e formas. Um esvaziamento por excesso, uma rarefação pelo bombardeio semiótico, um sem-sentido pelo congestionamento de linguagens.

Horário do filme: 3:00 - ver programação

A ARQUIVIOLÊNCIA ENCENADA

Por Kinodeleuze

O cineasta baiano Glauber Rocha mobilizava a didática de B. Brecht e o teatro da crueldade de Antonin Artaud em seu esforço estético de filmar o drama do terceiro mundo. Uma das questões norteadoras era: por que a situação de fome, miséria e opressão não se revertia na reposição da violência da parte do oprimido? Por que a impotência diante do intolerável? A recusa de qualquer resposta mecânica entre situação e ação e de qualquer reducionismo binário opressor/oprimido levou Rocha a explorar diversos procedimentos de estilo, a fim de encenar as forças barrocas que se agitam e digladiam no teatro histórico-político do subdesenvolvimento.


No mesmo período, Julio Bressane, um dos "jovens turcos" da produtora Belair, traçou um caminho ainda mais radical para seu cinema de contestação. Em sua obra, não haverá qualquer possibilidade de organização da violência a partir de grandes linhas dramáticas ou históricas, nenhum sujeito da luta identificável da dinâmica motriz de classes inscritas numa estrutura subjacente.


O fato bruto da violência é desvinculado de qualquer registro narrativo esquemático, gerando uma antiteleologia sustentada (Ismail Xavier), que se colocava em polêmica direta com as chaves anti-imperialistas ou marxistas da época, inclusive em sua versão alegórica glauberiana.

Inspirado na obra de Jean Genet e no romance noir do século 19, "Cuidado, madame" é o exato avesso do filme de mobilização, do thriller poético-militante.

Cuidado, madame (Júlio Bressane, 1970)

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