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A montagem deveria, então, fazer a travessia do processo quantitativo ao salto qualitativo, para mergulhar nos contrastes e deles gerar uma síntese histórica e política. Segundo Deleuze, Vertov foi mais longe do que os pares da Escola Soviética, ao situar essa dialética qualitativa na própria matéria, um materialismo nas coisas e das coisas. Seu programa do cine-olho (kinoglaz) coloca cada elemento em contato com outro elemento, segundo as mais diversas justaposições de planos e torsões dos intervalos, atravessando quaisquer distâncias espaciais e lacunas temporais, engrenando todas as peças num infinito agenciamento de imagens-movimento.

 

"A sexta parte do mundo" é um documentário de Vertov que explicita, por meio de uma montagem vertiginosa, a diversidade continental da União Soviética colocada em processo maquínico, um metabolismo que se agiganta enquanto esquadrinha cada pedaço natural, humano, climático ou geográfico, todos interpenetrados e maquinados juntos na criação do novo mundo. É um tour de force impressionante da poética vertoviana, no período anterior ao estalinismo, que depois esmagaria as vanguardas, uma por uma, em nome do realismo social.

Horário do filme: 01:00 - ver programação

VERTOV, 1917 E A ESCOLA SOVIÉTICA DE MONTAGEM

Por Kinodeleuze

Para os realizadores soviéticos dos anos 1920, o cinema não era simplesmente um acessório de agitprop para servir aos fins da revolução. O cinema era uma engrenagem que se situava na essência do próprio ímpeto revolucionário, uma fábrica imprescindível para a construção de um novo mundo. A revolução não significava, para as vanguardas de 1917, apenas a tomada do poder e a transformação social. A revolução era um projeto absoluto de reinvenção que não admitia modelos ou formas prévias, e no que o cinema não poderia ser mero instrumento. Daí que, para Dziga Vertov, como para os outros expoentes desse período, não pode haver política revolucionária sem estética revolucionária, não existe "politização" do cinema, já é político por si só. Vertov pertence à geração de cineastas engajados nessa tarefa de criação da vida comum, uma tarefa que o partido oficial atribuía à dialética materialista. Para o cinema soviético, isto era sobretudo a prática e a teoria da montagem e o mais radical dos montadores foi Vertov.

Para ele, seus contemporâneos, tais como Eisenstein, Pudovkin e Dovjenko, apesar da retórica e das experimentações, ainda vinham muito a reboque da montagem à americana, desenvolvida por D.W. Griffith na década anterior. A griffithiana era uma montagem que repercutia uma concepção organicista da sociedade. Suas várias partes, seus conflitos e divisões, se articulavam num Todo orgânico, cada fração em ligação uma com a outra, convergindo na finalidade de fazer nascer a Nação: terra da diversidade e dos contrastes, das desigualdades, mas ainda assim una, a mesma bandeira, o mesmo progresso na direção do sonho.

Na montagem à soviética, em vez disso, cada parte a ser montada exprimia apenas um momento dialético de uma relação estrutural -- a relação de exploração de classe -- que deveria ser abolida, numa ruptura total, para daí emergir um novo conjunto de relações sociais.

A sexta parte do mundo (Dziga Vertov, 1926)

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