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A verdadeira questão consiste em elevar a escolha à autenticidade de um novo mundo que nela está implicado, isto é, escolher a escolha contra todos os modos inautênticos de existência: como do devoto que age porque não teria escolha ou do mefistofélico que escolhe apenas o primeiro ato, mas nos outros a ação já não pode mais ser livre. Na filmografia de Rohmer, os personagens se veem em situações vagas, sem referências firmes ou indicações confiáveis.

 

Para Deleuze, Rohmer é o Kierkegaard do cinema, o existencialista que se debruça sobre o "caminho da vida" nos três estágios teorizados pelo filósofo escandinavo: estético, ético e místico. Rohmer os percorre através da temática do relacionamento amoroso possível, potencial ou real, porém o faz sem psicologizar os seus personagens ou inseri-los em dramas de sentimentos. Movem-se em vez disso por uma ideia obsedante de romance e pela exasperação que ela causa na medida em que se aproxima a sua ambígua consumação, o que pode tanto restituir-lhes a vida quando lançá-los de volta ao vazio. "A colecionadora" testemunha trajetórias dispersas, entre o hedonismo e o niilismo, num reino da imagem fragmentada em tantos estilhaços quanto os cacos do vaso de porcelana quebrado propositalmente por Haydée no filme.

Horário do filme: 21:45 - ver programação

O KIERKEGAARD DA NOUVELLE VAGUE

Por Kinodeleuze

O grito da Nouvelle Vague surgiu antes mesmo do lançamento dos próprios filmes, como gesto de provocação e manifesto programático. Nos anos 1950, um grupo de cinéfilos-críticos-cineastas reunidos ao redor da revista Cahiers du Cinéma, apelidados devido a sua iconoclastia de "jovens turcos" pelo crítico André Bazin, fez do cinema de autor (o auteurisme) o seu estandarte e com ele montou um estilo único. Em oposição ao que seria a "tradição da qualidade" e às adaptações literárias de romances e peças de teatro, a via artística da autoria consistia na valorização da atividade do diretor por si própria.

 

Truffaut, Rivette, Godard, Chabrol e Rohmer foram alguns dos nomes desse movimento na vanguarda do cinema moderno que, para Deleuze, "libertaram-no do velho realismo social e desataram a imagem para valer por si mesma, como expressão da aurora de um mundo novo". O filme não é mais a representação de uma história, a narrativa de um enredo ou a manifestação de sentimentos ou emoções, mas uma massa plástica constituída de situações sonoras e visuais puras do que, somente num segundo momento, se poderia extrair uma interpretação.

A organicidade sensório-motora da imagem-movimento se rompe e dá a vez a um espaço desconectado, ao rompimento da unidade entre personagens e mundo, de onde "nasce uma raça de personagens encantadoras, comoventes, que quase não são afetadas por aquilo que lhes acontece, mesmo pela traição, mesmo pela morte".

Em "A colecionadora", de Éric Rohmer, se aprofunda o estilo de um cinema dos modos de existência, que marcou a sua obra desde a série dos "Contos Morais". Num momento de distensão e afrouxamento dos laços entre personagens, ações e situações, o problema da escolha -- daquela escolha decisiva e vital -- não se restringe simplesmente a uma opção entre possíveis, mas a toda uma relação com o mundo e consigo mesmo em que tudo é colocado em jogo.

A colecionadora (Éric Rohmer, 1967)

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